o Bom dia.
o Era ela?
o Isso mesmo...era assim que disseram
dele na TV
o Buda?
o Eu disse que era eclético...
o Bom...
o Desculpa, é você...?
o Como?
o É você?
o Como assim? Eu não te conheço!
o Perdão, eu pensei que era você... ou,
alguém que conheço...
o Beleza! Eu não sou...
o Mas parece hein...
o É mesmo... tenha um bom dia
o É a cara de alguém que conheço...tem
certeza que você não é...
o Não, eu não sou alguém que você
conhece.
o Mas como você sabe... você mesmo disse
que não conhece o alguém que eu conheço.
o Justamente eu não conheço nem sou este
alguém.
o Perdão... parece que esse alguém é
outro...
o Sim, é.
o O senhor me perdoa...
o Beleza.
o Que horas são?
o São três.
o Ih! acho que vai chover...
o Está com cara.
o Perdão, viu moço... mas que
parece..parece hein...
o Acontece que todo mundo parece com
alguém.
o É...todo mundo parece com todo mundo.
o É...
o Mundo pequeno né...
o É...
o Sabe este alguém que conheci...
o Perdão, mas eu não te conheço e não
quero ouvir sua estória.
o Oh dó! Desculpe você deve estar ai com
seus pensamentos.
o É...
o Pensando em alguém?
o É...
o Viu todo mundo tem um alguém.
o
Mas...este alguém eu conheço.
o Tem certeza?
o Como assim?
o Veja eu...pensei que eu conhecia
alguém... e vim conversar com você...pensando que este alguém fosse você
o Acontece...desejo que você encontre o
alguém que tanto busca (toca o celular) "Alô...ah não... acredita que
estava pensando em alguém...e esse alguém me liga...e ai, vai rolar hoje..."
o Uns tem sorte... outros não...uns
encontram alguém...outros...só desengano e solidão...(o outro continua ao
telefone...rindo..e falando cada vez mais alto)
o (Desliga
o celular, ri para o céu... e volta a esperar o ônibus... solta o ar)
o Ela? Quem? Você não acha que está
abusando não?! (perdendo a paciência)
o Perdão, curiosidade... é que eu...
o Amigo... já deu! você acha que
encontrou alguém....esse alguém não sou eu... agora por favor...eu não
quero conversar...quero esperar o ônibus!
o Perdão.... mas sabe, dá uma inveja boa
lá no fundo...
o Do que?
o De alguém que tem um alguém para sair
na sexta-feira.
o Você estava ouvindo a minha conversa...
você é louco? isso é uma pegadinha? ou, está me pegando para Cristo...
o Sexta-feira 13... que azar...fui
encontrar o meu alguém errado...
o Você fica abordando as pessoas assim
nas paradas de ônibus?
o Claro que não, só as que eu conheço...
o Hum... ou, as você pensa que conhece,
ou que conhecem alguém que com certeza você não conhece.
o Isso mesmo... é sempre mais fácil
fazer uma amizade com um detalhe em comum.
o Detalhe? (com cara de espantado)
o
Isso! de ter alguém... de ao menos conhecer alguém que conhece
alguém...pode ser o inicio de tudo.
o De tudo o que? (faz cara de descrente)
o De tudo...de uma amizade... um
encontro que pode gerar um negócio...um pedido de casamento...
o Beleza, você é evangélico....deve
estar procurando alguém para pregar a palavra....e isso é uma forma de
abordagem... ótimo...mas eu não estou interessado...eu não sou aquele alguém
que quer ouvir a palavra
o Eu não sou evangélico... eu sou ateu.
o Ateu? não parece...
o Pois é... uma longa estória...estória
boa de contar...eu era motorista de um senhor... chegou a ser secretario ou
ministro de alguma coisa na antiga capital, o Rio...era comunista.
o E ele te ensinou a ser ateu?
o Era um alguém de ótima conversa....
dizia que não acreditava em deus...aprendi muito com ele sobre o mundo...dele
falando comigo...dele com outros...tinha outros comunistas que não eram
ateus...tinha também comunista ateu...e tinha só ateu.
o E esse ônibus que não chega
(impaciente)
o Ai ele morreu... mas antes nem
precisou me convencer..eu fiquei convencido...existe deus não viu (com ar
solene)
o Não.
o É o sistema... só existe o sistema...o
sistema...(dedo em riste, com a voz empostada)
o Amigo, o muro caiu, é sexta feira
13... estamos em 2014
o O sistema...ele dizia...e as
macroestruturas...determinam tudo as estruturas...
o (silêncio)
o Sabe o que ele sempre dizia para mim...
o Não.
o “Já que não existe ninguém superior
nem inferior a nós, temos que nos respeitar e ajudar”
o Opa! Essa é boa...como era o nome
desse alguém mesmo...era importante?
o Oh! se era!
o Diz ai quem era...
o Você não vai acreditar mesmo ...tem
cara de alguém que não acredita muito nos outros...
o Eu não tenho essa cara...estou aqui
conversando com você....e nem te conheço.
o Ah! isso é...eu posso estar enganado.
o
Diz ai.
o Diz o que?
o Qual era o nome do comuna?
o Era famoso...dizem que fez uma
caminhada de tal ponto distante ao outro lado mais distante ainda.
o Que...
o É que eu não entendo muito bem essa
história...mas vinha todo tipo de pessoa conversar com ele...ih! parecia uma
procissão...de toda idade...menina novinha...homem mais velho que ele...e todos
perguntavam da tal caminhada...ou, era marcha?...eu ficava às vezes
ouvindo...não é certo...mas eu ficava...na intenção de aprender alguma coisa.
o Que caminhada? Fala logo.
o Mas quando eu o conheci aqui em
Brasília já era bem velho ...mas velho do que eu hoje...
o Vai dizer ou não...
o Seu Luiz era alguém que respeitava os
outros...com os mais humildes ai que ele tratava bem...coisa diferente de ver
alguém fazer do jeito dele
o Ah! Calma
lá. È...é o Luiz Carlos Prestes...o Cavalheiro da Esperança? (espantado)
o Caramba você era motorista do cara?
o Pois é...viu...
o Viu o que?
o Que eu não sou qualquer alguém
o Eu não disse isso...
o Mas chegou a pensar que eu era louco
o Eu não disse isso! (junta as mãos como
quem pede perdão)
o Disse...só porque confundi você com
alguém que eu conheci a um longo tempo atrás
o Quem...numa parada de ônibus também...
o Deixa para lá...devo estar
atrapalhando o seu dia....o senhor é um homem ocupado..e eu aposentado...vim
aqui na agencia central do Banco do Brasil...(suspira, conformado)
o Eu não quis ofender é que...
o Eu sei...é muito difícil alguém
aceitar conversar com alguém que pensa que conhece alguém
o É...é estranho...
o Pois é...o seu Luiz dizia que no tal
comunismo todos são donos de tudo
o É... mais isso já
era...descambou...caiu...finito mano!
o É...eu sei...mas no enterro dele...foi
muita gente que acredita no que ele acreditava
o Você foi...
o Eu lembro...vi pela TV
o O senhor acredita em que?
o
Sou eclético...vou de Buda à Jesus
o É aquele mestre dos indianos..
o Ah sim..o gordinho sentado... a
vizinha tem um em cima da geladeira... a filha faz uma coisa da
India...dizem que é Yoga...fica se contorcendo e depois canta esquisito...eu
fico só ouvindo...língua diferente viu.
o Mas você é bom de papo...parece alguém que
conheci
o Quem?
o Deixa para lá...esse ônibus não passa
né...
o Viu...
o Viu o que?
o Todo mundo conhece alguém...o mundo é
feito de muitos alguens que precisam se conhecer para que a vida tenha
sentido...a vida é arte dos encontros embora haja tantos desencontros...
o Oh, o senhor está bem filosófico hein.
o É do cavalheiro...não com essa
palavras...é mais ou menos...as vezes dava vontade de parar e
escrever...sujeito das ideias...
o Era o cara.
o Oh, se era!
o Há muito tempo atrás eu li
"Olga".
o Quem...
o Não conhece o livro
"Olga"...fala da mulher dele...a que era alemã...Getúlio entregou-a a
Hitler, que a mandou para um campo de concentração...
o Olga..sei não...não lembro do seu Luiz
comentar isso não
o Pois é, era uma grande mulher!
o É mesmo? Ele foi casado com essa
Olga...
o Sim, foi...
o E como foi isso...
o Ih! amigo é uma longa história...mas o
livro é muito bom e está em todas as livrarias...vale a pena ler.
o Vou ver isso...viu, que coisa boa...
o Boa? Como?
o Eu achava que conhecia alguém..não era
o senhor...e agora que o senhor já me conhece melhor, até me indicou um livro.
o Pois é...eu não esperava por
essa...motorista do Luiz Carlos Prestes...o pessoal do trabalho não vai
acreditar...
o Perdão, é mentira...
o Como assim...
o Eu ouvi essa estória de alguém que
conheceu alguém que conhecia o motorista dele...
o Então, você não era motorista dele?
(zangado)
o Não era não...mas conheci alguém que
conheceu alguém que era sim
o Ah faça-me o favor...e você sai por
aqui contando uma história que não é sua.
o É a tal coisa de quem conta um conto
aumenta um ponto...mas a estória é bonita...eu acredito...
o
Olha aqui! Eu estava na minha, e você veio com o papo de alguém...ah vai
se tratar!
o Mas você estava gostando da estória...
o Estava...
o Só porque era alguém famoso...acabei
de confirmar minha teoria
o Não...não era só porque era uma
estória de alguém famoso é que...olha aqui...eu não gosto de mentiroso
o Não é mentira...é verdade...
o Que teoria?...do que...é mentindo que
se aborda alguém na parada de ônibus...ou, que a loucura é passageira, o resto
é tudo motorista em Brasília (rindo)
o
Se você diz que conhece alguém famoso...as pessoas acham que você é alguém
o Mama mia...você não bate bem!
o Moço, perdão....eu estou precisando
inteirar a passagem...
o É isso
o É...
o Quanto?
o Vou para Santa Maria...
o Tá bom..pega aqui
o Oh, cinco reais...está se vendo logo...
o Beleza, vai lá e tenha um bom dia!
o Obrigado, foi bom conversar com o
senhor...de longe a gente sabe que é alguém bacana...de bom coração
o Obrigado...valeu...
o Posso dizer mais uma coisa?
o Diz! (enfático)
o Eu achei mesmo que conhecia alguém que
era assim como o senhor
o Beleza, já conversamos isso.
o Oh! moço? ...O senhor acredita em Deus?
o Eclético..como é isso?
o Ah! deixa para outro dia
o Isso faz parte da estória de alguém?
o Sim, um tal alguém...dizem por ai,
sacou?...valeu cara!
o Então você também gosta de contar
estórias de outras pessoas....
o Como assim...
o De contar estórias que não são suas
o Como não são minhas?
o Você mesmo que disse...que é
eclético..que é de Buda...de Jesus...mas as estórias não são suas
o
São estórias universais da
humanidade...que todo mundo tem de saber um dia
o
Você parece que gostou bastante da coisa do Cavalheiro da Esperança...
o Claro, ele foi um grande homem
o Tão importante quanto o Buda?
o Não tanto...mas foi importante para
uma época.
o E o Buda?
o Caramba, meu ônibus chegou! Bom
dia!
o Bom dia! Vai com Deus!