XL
Pequenos poemas para uma grande Lisboa
Osmar Coelho Filho
Prefácio
Estes pequenos poemas ficaram guardados, maturando. Vinho
tardio, eles nascem das inspirações (e expirações) que tive ao visitar Lisboa e
suas cercanias. Envergonhei-me do desconhecimento que tinha da antiga
metrópole. Ao caminhar por Lisboa fui tropeçando de surpresa em surpresa. Arremessado
no tempo, voltei séculos, milênios. Reencontrei-me nesses 15 dias que vivi na
cidade, no mês de julho de 2012. Presto minha homenagem à Lisboa nestes 15
pequenos poemas.
Agradeço também a hospitalidade e a amizade da cravista
Joana Bagulho, que me inseriu em sua comunidade de músicos, e nos recantos de
sua cidade. Reencontrei-me com a sonoridade do cravo, que escutei na
adolescência, e que deixou em mim uma saudade misteriosa. Lisboa é feita destas saudades e futuros.
Em 1755, Lisboa foi atingida por um grande
terremoto seguido de um maremoto, que transformou o temor cristão do fim dos
tempos em realidade. Reconstruída, Lisboa mantém a magia de ter sido o
centro do mundo, em especial no bairro dos imigrantes, a Mouraria. Ouvir ali as
conversas em português, dos mais diferentes povos do planeta, faz penetrar em algo
desconhecido e familiar.
Este livreto foi tecido ao som de Joana ao cravo, em seu cd
“Acção”, onde interpreta a obra do grande violonista português Carlos Paredes.
I.
Vozes anunciam sobre os telhados:
A moda é internacional
Os comitês de Milão, Tóquio e Nova York
oferecem-nos soluções quadriculadas
Não necessitas combinar, trocar, escolher
vestidos, camisas e saias...
O verão lisboeta é um tabuleiro de xadrez
II.
Subir pelas paredes
Buscar no alto
o que está mais adentro
dos belos azulejos
das conversas cochichadas
das incontáveis estórias de Lisboa
III.
Não há quem veja a floresta
quando do alto da montanha
surge no céu o Castelo da Pena
pousado no verbo ver
IV.
Giram no vento
as torres do castelo da Pena
Têm pena do passado
do futuro que das torres do tempo avista-se:
Oceano
V.
Por um processo natural e muito humano
as montanhas de Cintra
sofrem uma metamorfose temporal
O castelo Mouro flutua num remanso...
Nuvens velozes correm ao litoral
VI.
meu olhar é carinhoso:
vento que arredonda as pedras
VII.
Santidades e trindades da Igreja
aos Árabes parecia condenável magia
Conversar com gênios
coisa de Orixás e guias
aos Cristãos valia o pecado capital
embalado pela sedução musical
de todos os santos africanos
Era o tempo do exótico, do proibido
do desconhecido pelos sagrados livros
VIII.
É preciso ouvir o instrumento
que abraça o cravo
para que as palavras que dele murmuram
murmure primeiro em quem sabe tocá-lo
É preciso falar com o instrumento
que experimenta o cravo
para que a música que dele ecoa
ecoe primeiro em quem sabe escutá-lo
É preciso dialogar com o instrumento
que conhece o cravo
para entender a língua antiga
com a qual eles falam
É preciso degustar o instrumento
que no cravo descansa
para que os temperos de Lisboa
temperem partituras e lembranças
É preciso sentir o instrumento
que o cravo adorna
para com ele tecer a música
que o cravo adora
que abraça o cravo
para que as palavras que dele murmuram
murmure primeiro em quem sabe tocá-lo
É preciso falar com o instrumento
que experimenta o cravo
para que a música que dele ecoa
ecoe primeiro em quem sabe escutá-lo
É preciso dialogar com o instrumento
que conhece o cravo
para entender a língua antiga
com a qual eles falam
É preciso degustar o instrumento
que no cravo descansa
para que os temperos de Lisboa
temperem partituras e lembranças
É preciso sentir o instrumento
que o cravo adorna
para com ele tecer a música
que o cravo adora
XIX.
Os muros da cidadela de Óbidos
separam-me do azul
Apoiado em ombros rochosos
vejo a torre do Castelo a sofrer
ataques bárbaros de andorinhas
X.
Do Barreiro ao Terreiro do Paço
embarcado vai o menino Léo
Filho do açougueiro de Cabo Verde
está atento à distração alheia ou estrangeira
pronto a colher o que cai da mesa lisboeta
XI.
os peixinhos da fonte
do convento dos Templários de Tomar
estão vermelhos de alegria
XII.
A luz preguiçosa do sol
fatia a casa portuguesa:
o quarto, a sala, o banho...
XIII.
A caravela retorna à antiga colônia
O Rio de Janeiro entra por centenas de janelas
Ilumina no corpo e na voz
um Camões envergonhado
XIV.
Do Rio, vejo o mar
que me leva a Lisboa
De Lisboa, tão largo mar
conduz o olhar
aos aposentos do rei
Ontem, enorme boca do Tejo
Hoje, baia da Guanabara
Sorvem o tempo
as capitais do antigo império
abraçadas de um abraço líquido
dissolvido no mar
XV.
O poeta caminha pela Mouraria...
Africanos, Indianos, Paquistaneses
negociam o português
Ele é do Timor Leste
Ela é da China mas a conversa é em inglês
O bonde Carrera 28 já vai partir
para mais uma viagem ao redor do mundo
onde Lisboa acabou
em 1755
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