Vou pegar do punhal
Vou rasgar de fora a fora
da goela ao pé
passando pelo cóccix
abrindo do externo ao umbigo
para separar entre tripas e bofes
vestígios de palavras
Buscar a essência
como em Spinoza, Goethe e Hegel
mas á moda medieval
Ir ao amago
onde mora a verdade
entre vasos, ossos, peles
Catar letras e onomatopeias
jogar sobre uma mesa fria de mármore
espalhar as partes todas
para encontrar a origem
a inspiração
a fagulha da poesia
Esquartejar á moda dos anatomistas
para entender esse mistério
de existir e comunicar
Letra por letra
cada tipo de som
O corpo assim decomposto
em partes menores
pode ensinar que as partes juntas
são menores que o todo
que as letras são menores que as palavras
as palavras menores que os gritos
os gritos menores que o silêncio
Assim desfeito o corpo
como faria Da Vinci
sob a inspiração de Descartes
revelaria que tudo isso junto
nunca sai de moda
Sempre uma surpresa
um espanto
o que isso tudo soa
como uma caixa de sons
de ossos
Tudo isso junto
mais que corpo
talvez alma
comunica-se com o insondável
anda pela rua
acorda e vai comprar pão
mas no fim do dia (ou no meio)
mas no fim do dia (ou no meio)
um sol pode surgir no fim da avenida Consolação, São Paulo
para que tudo isso, ou quase tudo isso, seja feliz