I
ruas vazias
lotadas de medo
pessoas trancadas
exiladas na dúvida
enviam anseios
às cidades desertas
II
Esperar pelo fim
como se toda a vida
coubesse em um dia eterno
Como nos segmentos de Euclides
explorar recônditos infinitos
reentrâncias das almas
mínimos detalhes do corpo
Reinventar sonhos
degustar o silêncio deste ostracismo viral
viralizar essa solitude vital
III
Meu sonho chorava de impotência
de injustiça sobre homens e mulheres inocentes
a natureza vilipendiada
Meus humanos limites celebram
a consciência humana:
sairemos juntos da pandemia
ou não sairemos do pesadelo
mesmo que o vírus cesse
e as barreiras se levantem
IV
De uma hora para outra
de um instante para este
a coisa crescia tal erva daninha
enquanto as luas de Saturno
faziam seu trabalho circular
O isolamento era nosso conhecido
a velocidade atenuava o vazio
Sob controle
sob as estritas regras de segurança
sob os desígnios de Deus
até que o invisível surgisse
das profundezas do real
para nos assombrar de natureza
V
Isolados descobrimos
um lugar onde não éramos eternos
A morte era servida
homeopaticamente aos privilegiados
em doses fortes aos vulneráveis
Agora golfinhos passeiam
pelos canais da nossa Veneza abandonada
Chineses serão salvos da poluição
Pássaros cantam nas avenidas de São Paulo
Isolados de nós mesmos
ganhamos um precioso tempo de nós mesmos
VI
"Quem quer dinheiro?"
"Vem trabalhar por ele!"
"Quem quer dinheiro?"
"Dou-lhe uma, dou-lhe duas..."
"Quem quer dinheiro?"
"Vai ficar com medinho do vírus?"
"Quem me dá dinheiro?"
"Eu não vou trabalhar":
Vai tu, ele, vós, eles
mas eu não vou
VII
Isolados do grande mal
à mercê do vírus mortal
que retira de nós a vitalidade
prima irmã da felicidade
somos o inferno dos outros
No alto da montanha
eremita resoluto medito
antigas tragédias e fraquezas:
aceito a responsabilidade
VIII
Á cada crise seu herói
Do espaço sideral surgiu o Super-Homem
para debelar a grande depressão
O Capitão América carregava a promessa
da vitória na segunda guerra mundial
A guerra fria (ou quente) liberou do inconsciente
o Homem-Aranha travestido de pacato cidadão
Na pandemia global os heróis lavam as mãos
diante do mal invisível e onipresente
Agora é hora da humanidade
despertar seus poderes planetários
XIX
A carta da morte ronda
bate na porta
Chegou a primavera mais dura
na conjunção de Plutão e Capricórnio
A carta da morte revela
aperta a campainha do ser e pergunta:
tempo de florescer ou perecer?
X
"Calma já vai passar"
"O que não nos mata fortalece!"
A pandemia mata muitos
nos deixa sem ar
No ritmo frenético da internet
a velocidade nos achata
da cozinha até a longitude da sala
do quarto até a latitude do banheiro
Na nossa casa comum
cada um leva endereço no corpo
número de telefone na alma
XI
O homem mais poderoso
se deitará em uma cama
parecida com a minha e a tua
A mulher das mídias enrolada de toalha
não é diferente daquela que te secas
Um pente, uma escova de dente
objetos comuns nos aproximam além do medo
Uma cadeira, um prato de comida
Muito além do luxo
da qualidade do algodão do Egito
do sabor iniqualável dos tomates da Toscana
vou dormir esta noite como um pôr do sol
filho do planeta, irmão teu
XII
Vou a Paris!
Não irei nem amanhã nem depois
Passaria por Budapeste
seus monumentos estão fechados
Admiraria Copenhagen
as bicicletas estão trancadas
As ruinas romanas visitaria
interditadas desde maio
Ao lado de Brasília
banhar-me-ia na cachoeira do Itiquira
onde Ferdinand Cruls se refrescou em 1892
Guardado exploro a geografia das emoções
metamorfose de casulo
Nos meandros de meu espírito
encontrarei o caminho do novo mundo
XIII
A natureza gastou um bom tempo
para me tirar das cavernas
Outro tanto para me exilar
entre quatro paredes
Ainda o mesmo dilema:
caça ou caçador?
O jardineiro em mim busca
muito além do jardim
onde vou me encontrar
ruas vazias
lotadas de medo
pessoas trancadas
exiladas na dúvida
enviam anseios
às cidades desertas
II
Esperar pelo fim
como se toda a vida
coubesse em um dia eterno
Como nos segmentos de Euclides
explorar recônditos infinitos
reentrâncias das almas
mínimos detalhes do corpo
Reinventar sonhos
degustar o silêncio deste ostracismo viral
viralizar essa solitude vital
III
Meu sonho chorava de impotência
de injustiça sobre homens e mulheres inocentes
a natureza vilipendiada
Meus humanos limites celebram
a consciência humana:
sairemos juntos da pandemia
ou não sairemos do pesadelo
mesmo que o vírus cesse
e as barreiras se levantem
IV
De uma hora para outra
de um instante para este
a coisa crescia tal erva daninha
enquanto as luas de Saturno
faziam seu trabalho circular
O isolamento era nosso conhecido
a velocidade atenuava o vazio
Sob controle
sob as estritas regras de segurança
sob os desígnios de Deus
até que o invisível surgisse
das profundezas do real
para nos assombrar de natureza
V
Isolados descobrimos
um lugar onde não éramos eternos
A morte era servida
homeopaticamente aos privilegiados
em doses fortes aos vulneráveis
Agora golfinhos passeiam
pelos canais da nossa Veneza abandonada
Chineses serão salvos da poluição
Pássaros cantam nas avenidas de São Paulo
Isolados de nós mesmos
ganhamos um precioso tempo de nós mesmos
VI
"Quem quer dinheiro?"
"Vem trabalhar por ele!"
"Quem quer dinheiro?"
"Dou-lhe uma, dou-lhe duas..."
"Quem quer dinheiro?"
"Vai ficar com medinho do vírus?"
"Quem me dá dinheiro?"
"Eu não vou trabalhar":
Vai tu, ele, vós, eles
mas eu não vou
VII
Isolados do grande mal
à mercê do vírus mortal
que retira de nós a vitalidade
prima irmã da felicidade
somos o inferno dos outros
No alto da montanha
eremita resoluto medito
antigas tragédias e fraquezas:
aceito a responsabilidade
VIII
Á cada crise seu herói
Do espaço sideral surgiu o Super-Homem
para debelar a grande depressão
O Capitão América carregava a promessa
da vitória na segunda guerra mundial
A guerra fria (ou quente) liberou do inconsciente
o Homem-Aranha travestido de pacato cidadão
Na pandemia global os heróis lavam as mãos
diante do mal invisível e onipresente
Agora é hora da humanidade
despertar seus poderes planetários
XIX
A carta da morte ronda
bate na porta
Chegou a primavera mais dura
na conjunção de Plutão e Capricórnio
A carta da morte revela
aperta a campainha do ser e pergunta:
tempo de florescer ou perecer?
X
"Calma já vai passar"
"O que não nos mata fortalece!"
A pandemia mata muitos
nos deixa sem ar
No ritmo frenético da internet
a velocidade nos achata
da cozinha até a longitude da sala
do quarto até a latitude do banheiro
Na nossa casa comum
cada um leva endereço no corpo
número de telefone na alma
XI
O homem mais poderoso
se deitará em uma cama
parecida com a minha e a tua
A mulher das mídias enrolada de toalha
não é diferente daquela que te secas
Um pente, uma escova de dente
objetos comuns nos aproximam além do medo
Uma cadeira, um prato de comida
Muito além do luxo
da qualidade do algodão do Egito
do sabor iniqualável dos tomates da Toscana
vou dormir esta noite como um pôr do sol
filho do planeta, irmão teu
XII
Vou a Paris!
Não irei nem amanhã nem depois
Passaria por Budapeste
seus monumentos estão fechados
Admiraria Copenhagen
as bicicletas estão trancadas
As ruinas romanas visitaria
interditadas desde maio
Ao lado de Brasília
banhar-me-ia na cachoeira do Itiquira
onde Ferdinand Cruls se refrescou em 1892
Guardado exploro a geografia das emoções
metamorfose de casulo
Nos meandros de meu espírito
encontrarei o caminho do novo mundo
XIII
A natureza gastou um bom tempo
para me tirar das cavernas
Outro tanto para me exilar
entre quatro paredes
Ainda o mesmo dilema:
caça ou caçador?
O jardineiro em mim busca
muito além do jardim
onde vou me encontrar