Éramos jovens nascidos nos anos da ditadura
“Liberdade para todos ainda que tardia”
Mas o vício do autoritarismo continuava rondando
Havia uma ilha (liberal ou socialista?) no meio do caminho
Era uma ilha dentro de uma ilha do outro lado da história
No caminho tinha um “Feliz Ano Velho” de Marcelo Rubens Paiva
“E no ano novo, é para lá que eu vou” e eles foram em legião
Viver seu abre-alas, seu woodstock paulista
Sua Viena na fazenda do Barão Geraldo
Foram ser gauche na ilha universitária de Zeferino
e seus protegidos do regime de Chumbo:
os torturados, os titãs do conhecimento
os gênios da pátria que ficaram
O terreno da Unicamp foi então mapeado
a moradia, o bar do IFCH, o bandejão, a biblioteca
o laginho, o aldebarã nosso olimpo
os territórios da biologia, química
física, matemática, pedagogia
os pontos cardeais para encontrar os amigos
e sonhar, sonhar, sonhar
conspirar, conspirar, conspirar
por um novo brasil, um novo mundo, por um novo eu:
“Serei poeta e presidente do Brasil”
“Escalarei o Everest ”
“Escreverei livros fundamentais, e morarei na França”
“Mudarei o Brasil!”
Tanta coisa para ser mudada que a mudança logo começou
Organização estudantil, reuniões seríssimas
Resolução de problemas materiais inadiáveis
onde morar, como comer, como dizer o que sinto
como construir condições históricas e materiais
para fazer festas
Construir e celebrar!
Unimo-nos pela cultura e pela cerveja
O ginásio da Unicamp é nosso!
E para lá trouxemos nossos ícones: Caetano, Gil, Lulu Santos
Arrecadamos fundos para a luta
armada da mais pura esperança:
Já tem para hoje e dane-se a escassez
Viveremos hoje o futuro escolhido:
“Serei gerente da Schincariol”
“Trabalharei na Paulista”
“Como governador de São Paulo, declararei...”
Construíu-se uma rádio livre para anunciamos a boa nova:
"Caros compatriotas
teremos aqui uma Pasargada
um pedaço de terra livre"
Criou-se um cursinho pre-vestibular
para que os excluídos vivenciassem a justiça natural
de ser tudo o que se é
para não morrer de qualquer tipo de fome
Faremos juntos, um país mais negro, mais feminista
menos machista, mais indígena, mais socialista, mais liberal
Todas as utopias juntas e abraçadas
Protejeremos contudo as fronteiras da ilha:
Festas são bastilhas contra a caretice
“Polícia para quem precisa”
Mas ainda restava buscar o diploma
Era preciso estar nos auditórios e ouvir os PhD´s
percorrer com eles os labirintos do conhecimento
Encontrar o Minotauro estudando cálculo
Helena de Troia debulhando Foucault
Dionísio convencendo Apolo que menos é mais
Nosso Ubaldo o rei da ilha
Musas belíssimas
Heróis do movimento estudantil
Fazedores de tendências
Formadores de opinião
CDF’s iluminados
afinal alguém tinha que pensar tudo isso
Todos se encontravam nos sarais da casa M6
para ler os sagrados livros da poesia:
Leminsky, Quintana, Drummond, Oswald, Cecília, Bandeira
ensinariam a transformar a cidade
depois de um tsunami de verdades doces
Mas as contradições da realidade persistiam
a invadir nossos melhores versos
A formatura se anunciava para uns
pós-graduação à mão para outros
O mundo dos interesses concretos
a roubar o precioso tempo da transformação
Alguns amigos foram saindo
A festa acabou...
O último fecha a porta...
É preciso voltar e semear o mundo lá fora
Ou, buscar outras ilhas de inspiração
Alguns foram para a Califórnia ou Parintins
para periferia ou uma nova fronteira
A Amazônia ficaria pequena
na grande vontade de fazer diferente
Mas as contradições estavam presentes
“Envelhecer é isso”, uns diziam
“Agora é hora da dura realidade”, balbuciavam outros
Era questão apenas de encontrar outro navio
com passageiros certos e um novo porto
O presente não muda o futuro
É o futuro que semeia o presente
Enfim, estavamos preparados:
O presente, finalmente, era nosso!
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