É Natal! Nas camadas mais profundas do ser, é tempo de escolhas. As boas serão um dia presenteadas. As más pagarão seu preço no peso arrastado durante os anos. Meu pai me dava sempre duas opções: "Você quer meias ou cuecas?". A escolha não era minha, era dele. Ele deveria saber o que era melhor para mim.
É preciso dizer que foi um homem bom, e educado. Dentista e advogado, que emigrou do estado do Maranhão para Brasilia. Fez seu mestrado no Rio de Janeiro, deu aulas em São Luis, e amava o Brasil. Se revoltava com os maus políticos, e os maus empresários que não cuidam do povo, que não lutam por uma vida melhor para todos. Seus defeitos nasciam do exagero de suas qualidades. Era um ser autêntico.
Ano após ano, próximo ao Natal, ele soltava a fatídica frase: "Você quer meias ou cuecas?". Isso só poderia ser mesmo uma brincadeira. Meu pai me cobrava boas notas na escola, eu me esforçava para trazê-las, e no natal lá vinha a mesma interrogação anunciando as mesmas opções. Não saberia meu pai o que um menino de 10 anos deseja, o que um adolescente de 15 anos anseia, o que busca um jovem de 20 anos na universidade? Meias ou cuecas?
Se ele fosse um mestre zen-budista, este seria um perfeito "koan" ou charada, que o discípulo se esforça, medita, matuta, mas nunca chega a resposta. Não estou exagerando. A mesma frase era repetida anualmente um pouco antes do dia 25 de dezembro. Hoje, eu vivo na cidade de Natal e o Natal se aproxima, e meu pai não está mais entre nós.
Ele seria a minha escolha definitiva: meu pai de volta, nem que fosse na noite de Natal deixando presentes debaixo da cama na manhã do dia 25...cedo entendi, que o Papai Noel era o meu pai, e era maravilhoso saber, que meu pai tinha um cargo tão importante.
Depois do almoço fui ao shopping com Andrea para comprar cuecas. Súbito sou atravessado pela enigmática frase: "Você quer meias ou cuecas?". Confesso ao vendedor a frase paternal. A senhora ao lado ouve e acha graça. E subito pronuncio a solução do enigma, o satori budista, a derradeira resposta: "A gente só precisa de meias e cuecas novas, o resto dá-se um jeito". E rimos os três juntos. A resposta como mágica flutuava no ar como um balão azul pela loja.
Algo em mim deu um estalo: eu só preciso confiar na vida, em meus valores e idéias, que para o resto (o mundo todo la fora) dá-se um jeito, desde que minha relação comigo seja confortável. Para o desconforto do mundo, eu posso dar nomes interessantes: aventura, desafio, evolução, e aprendizado.
O que meu pai queria dizer era que para sermos felizes precisamos das pequenas coisas, que nos renovam, deixam-nos confiantes para enfrentar os altos e baixos da vida, os chamados da existência, as conjunções dos planetas, as mudanças inexoráveis, os golpes de sorte, e de azar.
Mas como dizer a verdade ao menino de 10 anos que queria ir a Disney, ao adolescente de 15 anos que queria andar de skate, ao universitário de 20 anos que queria morar no exterior, ao aventureiro de 30 anos que queria cruzar desertos, ao engenheiro de 40 anos que queria resolver problemas de uma tribo indígena, ao quase doutor de 50 anos, que ainda tem dúvidas de que é um bom escritor?
Ele não pode me dizer mais nada, e nem precisa. Se eu pudesse, diria a ele: "Papai, finalmente, eu entendi sua filosofia do desapego pelas coisas materiais, a serenidade nas derrotas e vitórias, o seu bom humor, o seu amor pela natureza, pela sua família, pelos seus amigos, seu carinho pelos necessitados. Que presente tê-lo comigo durante todos esses anos. Esse ano papai eu quero cuecas novas, feliz natal!".
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