I
Meu futuro é como as sombras enfumaçadas
projetadas na cúpula da câmara federal:
luz trêmula e uma idéia inconclusa de país
Adeus Brasil! Adeus Brasília!
É preciso rever o plano
do sonho ufanista e arrojado
da construção da nova capital:
local perfeito para pousos e decolagens
II
Tem até formato de avião...
Me leva daqui
Sou rapaz cordato e sem vícios
O doutor disse a meus pais:
é menino de QI elevado
precisa dos cuidados
de ciosos franciscanos
e disciplinados militares
III
Brasilia férvia em seu destino
não queria ser apenas avião
Uma rampa de asfalto e concreto
do lançamento de leis e intenções
para o futuro da nação
As nuvens reverberam as cores
do crepúsculo em chamas a mensagem:
"Brasília ainda vai te levar além"
IV
Quero voar leve como os pássaros
azuis de Athos Bulcão
Mas voei para São Paulo
Depois escapei para a California
Não havia outra opção:
ser esmagado pelo concreto de Brasília
ou voar sem lenço nem documento
V
para sonhar de novo com Brasília
O crepúsculo no fim da tarde anuncia
o novo que nunca chega
Seria Brasília a terra do nunca?
A terra do quase ou do transe?
Tinha mesmo é que ser a capital
do país do futuro, o Brasil
como disse aquele general francês
VI
Passei pelo Rio de Janeiro
para estudar os restos de uma capital
O que nasceu no lugar vacante
da cidade maravilhosa?
Abracei o Corcovado e a Urca
para sentir-lhes a pulsação
Me ajudem a desaprender Brasília
libertá-la do peso da nação
VII
Se planta não nasce no concreto
deve nascer outra coisa: música e arte
Minha vida imaginária em Brasilia
caminhou dos versos de Leminsky
para as letras do "Punk" em português
Corria pelas superquadras esquecendo
de detritos federais
da tortura, das perseguições da Ditadura
VIII
Preciso sair daqui
Preciso escapar daqui...
Eu, nós?
Precisamos sair dessa
ir para outra...
Mudaremos de Brasil?
De que adianta uma plataforma
rodoviária de lançamento?
IX
Precisamos de muitas cabeças:
Renato, Sivuca, Hermeto, Egberto
Os cabeças, onde estão?
Vamos mudar de Brasil?
Ou, vou mudar de cidade?
Eu desconheço Brasília
de uma ponta da asa sul
até a ponta da asa norte
X
A gente não muda nada
nem a vida das satélites
Cansadas de esperar
seguiram outros voos planetários
Somos um bando de bundas-mole!
Vou florescer em São Paulo
Adeus "Feliz Ano Velho"!
Feliz ano novo!
XI
Sampa é outra pegada
Os bandeirantes usaram a terra de Vera Cruz
até sobrar apenas uma Pindamonhangaba
Ali nada para, firma, sossega ou dorme
Sampa me convidou a seguir viagem
Será que um dia vou aterrizar
no aeroporto de Brasília?
Trarei pacotes de jujuba
mandigas e olhares diferentes
XII
Meu futuro nas sombras e vultos
refletido em movimentos disformes
Aonde foi parar Brasília?
Em um labirinto de dizeres?
"Você nasceu, e tudo isso já existia"
Minha Brasília á espera
de invenções e milagres
sonhados por Dom Bosco
XIII
Em 1883, o padre canonizado
sonhou com leite, mel, e Brasília
Na primeira constituição da República
Brasília não se faz de rogada:
"Construir-se-á a nova capital
no planalto central brasileiro"
Para o futuro, rumou a expedição Cruls
Tem pés de barro o anjo da cidade?
XIV
É concreta a santidade de Brasília?
È para isso que seus filhos retornam?
Se Brasília não é o futuro ainda
é o que então?
Brasília é um laboratório
de emoções, magias e mazelas
que dão caldo, e comida boa
no Beirute: o bar encantado
XV
Em 1966, a nave pousou na 109 sul
Seus tripulantes dia e noite conspiram
para que o futuro logo chegue
Vem Brasília!
Ser berço de uma nova civilização
plural, criativa e atemporal
Mas Brasília vive de futuro
para o qual sempre retorno
XVI
Seria o eterno retorno de Nietzsche?
Eu inventaria Brasília de novo?
Os portugueses acertariam o leme
indo parar nas Índias dessa vez?
A evolução precisava de uma ideia de futuro
A ideia tinha que ter corpo e um nome
Que tal corpo de avião e nome de árvore?
Prazer, Brasília!
XVII
Adeus, Brasília!
Até a próxima!
Só depende de você perder o medo
de desver o plano
reconstruir sua história
Quando estiver para nascer o futuro
eu volto para ajudar no parto
do nome, do corpo e da ideia
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